segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Chico - via Pol - Para Cássia e Dani

Olê, Olá

Chico Buarque

Não chore ainda não
Que eu tenho um violão
E nós vamos cantar
Felicidade aqui
Pode passar e ouvir
E se ela for de samba
Há de querer ficar
(...)
Não chore ainda não
Que eu tenho uma razão
Pra você não chorar
Amiga me perdoa
Se eu insisto à toa
Mas a vida é boa
Para quem cantar
(...)
Não chore ainda não
Que eu tenho a impressão
Que o samba vem aí
E um samba tão imenso
Que eu ás vezes penso
Que o próprio tempo
Vai parar pra ouvir

Luar, espere um pouco
Que é pro meu samba poder chegar
Eu sei que o violão
Está fraco, está rouco
Mas a minha voz
Não cansou de chamar
Olê olê olê olá
Tem samba de sobra
Ninguém quer sambar
Não há mais quem cante
Nem há lugar mais lugar
O sol chegou antes
Do samba chegar
Quem passa nem liga
Já vai trabalhar
E você, minha amiga
Já pode chorar

domingo, 16 de dezembro de 2007

No vai e vem ou Ou isto ou aquilo

Eu tenho um irmão
que foi meu irmão
que foi meu amigo
e hoje
é meu irmão, meu amigo e meu amor

Eu tenho amigos
que foram amigos
e hoje são irmãos
assim como meu irmão é meu amor

Eu tenho amores
E tenho amores que me têm

Eu tenho amores que foram
e que vêm
Eu tenho amores que vêm
e que não vão

Eu vim desde lá até aqui
E agora vou

Os amores de lá estão em mim
Os amores daqui estão em mim

e, ainda assim, eu tenho medo da solidão.

Sim, a melancolia está em mim!

Quando eu penso em escrever, logo me vem algo ligado ao plano da melancolia. Então, pensei por um momento se isso seria vitimização. Se o culto a melancolia seria apenas fonte de inspiração íntima, ou se a melancolia é mesmo algo que me constitui. Afinal, o que é a melancolia senão uma brecha dentro de nós preenchida por um nada que de tão significativo não sabemos o real sentido. Eu não sou melancólico, eu acho. Mas eu trago a melancolia em mim. Dentro de algum lugar, tenho uma brecha preenchida por uma lava branca e inexplicável e que, volta e meia, emerge e me transborda. Na verdade, acho que todos temos. Mas o exercício de investigá-la, na tentativa de entender sobre ela o que representa em nós, ainda que saibamos nunca ser possível atingir tão complexo nível de auto-conhecimeto, nos faz um pouco tristes e maduros. Permitir-se à melancolia é saber reconhecer que ela existe, nos constitui, e é inevitável. A maturidade é pouco isso. Saber dosar parcelas saudáveis de dor sem que elas possam nos tomar por completo o tempo todo. É a busca por saber medir o quanto cada coisa pode e deve nos render de efeito. Mas a maturidade, ainda assim, não pode nos fazer absortos na racionalidade, e esse será mais um limite a ser administrado. Isso está ligado ao lance de que a maturidade não pode nos embrutecer diante dos fenômenos que nos cercam, pois, afinal, poucas são as verdades universais. O amor, por exemplo, é algo que maturidade alguma poderá suprir por completo. Ela poderá até criar um mecanismo de preenchimento sintético para aquela brecha, que temos, destinada ao amor, mas a artificialidade não suprirá a complexidade orgânica. E a falta da prática amorosa nos fará completamente melancólicos, e, logo, pouco maduros. Tenho amores tão grandiosos em mim. E eles ora me fazem mais melancólico, ora me distraem dela. Os mesmo amores. Mostrando que a melancolia não me constitui, mas existe em mim como os amores que tenho.
Amo o João, amo o Renan, amo minha mãe, amo o Du, amo a Paula, amo a Cássia, amo a Dani, amo a Vi, e amo... tanto nessa vida. E, no entanto, sou melancólico, vezououtra, por cada um deles. Isso não quer dizer que sou triste. Agora, estou só um pouco melancólico. Mas, nem a tristeza nem a melancolia são inerentes a mim.
As obras de todos que citei aqui tem um pouco disso. Leonilson, Bourgeois, Thais, Bandeira. Marca de que não estou sozinho neste mundo.

Profundamente aDORmecido

Profundamente

Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81.

Faz uns dias já que tenho pensado em ir a um psiquiatra. Aliás, eu acho que as pessoas vão cada vez mais aos psiquiatras. Será que isso tudo é só um plano de marketing muito bem feito, e nós sentimos necessidade, de repente, de irmos ao psiquiatra movidos por uma espécie de consumo fundamentalmente íntimo despertado por alguma mensagem subliminar do além? Será que eles têm parte com...? Sei lá, pode ser que sim. Mas o fato é que tenho sentido em mim um descontrole. E o descontrole, a não ser em relação ao meu humor, não costuma fazer parte de mim. Mas meu descontrole não é psicopático, nem um grande risco para a sociedade. De modo que não tenho saído por aí destruindo a cidade, e nem mesmo atirando com uma 38 comprada em mercado negro. Meu descontrole é bem mais íntimo e constrangedor, e é movido por uma ansiedade que em algum lugar dentro de mim encolhe-se sorrateiramente, mas, na hora certa, transforma-se em um elefante desequilibrado, em um fera devoradora. Meu descontrole é docinho de tudo. Ele faz-se numa transbordante lata de leite condensado, que geralmente ganha um toque de creme de leite e uma colher bem cheia de Nescau, do novo de latinha estilosa. Basta lembrar de algo ligeiramente terrível para que eu vá até a cozinha preparar o meu calmante de 8 milhões de calorias.
Tudo bem, pode até ser meio engraçadinho. Mas é tão estranho estar diante de algo que não se pode controlar. É tão angustiante saber que se eu não repetir aquela rotina, na hora exigida por algo que sou eu mesmo, pensamentos intrusos começam a me consumir fazendo-me acreditar que estou errado e que o prazer é o mais importante que tudo. Intriga-me. Afinal de contas sou eu contra mim mesmo. E pode isso? Sermos dois e não um. Será normal? É tão duro de entender...
Bem, mas o que me resta é que a alegria que busco na mistura mágica é tão fugaz quanto doce. E percebo que, na verdade, com isso eu busco revestir mais um espaço em mim tomado pela tristeza. A dor do existir é quase tão aguda quanto a Meredith Monk. E as suas conseqüências, em mim, têm sido mais doces do que posso suportar, vezenquando. Não entendo o porquê de querer um prazer para me alegrar quando a sua efemeridade só reafirma a dor. E, além de tudo, como disse uma amiga amada, a alegria não é nada pedagógica, então porque essa busca que de tão avançada torna-se física?
Ah, amiga amada, como seria bom o seu sal aqui em mim, não me salvando, porque, afinal de contas, nem sabemos se as coisas têm salvação, mas me acalentando, assim como eu gostaria de fazer contigo. Um sal com gosto de tempo antigos, com gosto da leveza do tempo em percebíamos, um no outro, quando havíamos cortado os cabelos. Um sal Profundamente salgado, para que pudesse esquecer um pouco desse doce que me consome agora. Um sal que pudesse me despertar para aquele adormecido equilíbrio, quando ainda não precisava pensar na saúde, nem no dinheiro para a comida. Ah, porque tudo adormeceu profundamente? Já descobriu Bandeira?

Tenho medo da morte sim!

A idéia de morte tem me cercado. Aliás, ela nos cerca a todos, inevitavelmente. Mas tenho notado que, a mim, sem perceber, a morte vem se mostrando cada vez mais, em ausências e presenças entre mim e o outro.
Mas como não? A cada ciclo, ainda que fragmentado, notamos um fim, uma morte. Afinal, fim e morte estão ali, conjuminados. A morte, então, deixa de ser simplesmente um todo fatal e definitivo, e constitui-se por inúmeras perdas e fins que nos orientam cotidianamente.
As vezes, a morte de algo designa um salto no plano das conquistas. A morte de um momento configurado pela angústia pode indicar a superação. Nesse caso, a morte é força de vida, ou pulsão de vida, ainda que paradoxalmente. Porém, a transformação, que conduz de um momento até o outro, também mostrará a força da morte. A morte de algo quase nunca é pouco significativo/representativo. Inclusive a passagem de um momento de angústicas para outro livre dela pressupõe a dor da perda, que será sempre o inchaço do corpo se adaptando ao novo formato.
Agora, a morte das morte todas, entendida como fim definitivo, ainda que de uma vida terrena e blá-blá-blá, é de uma crueldade aterradora. Pensar sobre a impossibilidade de realização, ainda que a realização não pressuponha grandes fatos, é de uma angústia aguda. Presenciei a morte de meu avô dia desses e, diante da materialização do fato, senti uma coisa estranha, uma sensação de que a morte deveria ser algo mais triunfal que aquela. Mas tudo o que cerca a cerimônia, o ritual de despedida, o abandono e adeus do corpo, o fim da ciclo biológico e o início da degradação do corpo físico, causou-me questões que só depois se concatenaram. Aquele pouco que senti inicialmente tranformou-se num vazio sem nome. Um vazio escuro, uma falta de sentido.
Isso tudo me lembrou que, um dia desses, disse ao Du e à Paula que não tinha medo da morte. Retomo aqui para dizer que mudei de idéia e constatei que o medo que se constrói entorno da morte me assombra também. A angústia diante de toda mudança, inclusive a minha ida à Porto Alegre, me faz desordenado, penso, então, na idéia da morte como fim absoluto: terrível pavor.
Lembrei também da peça teatral, da qual cito a foto acima, dirigida pela amiga Thais D'Abronzo, que discorre sobre o mesmo tema. "Foi tarde" parte da discussão ontológica suscitada por A morta, do genial Oswald de Andrade, e a partir dessa linha propõe seqüências imagético-líricas que conduzem, por quase todo o tempo, para essa angústia diante da morte que falei a pouco. A construção da dramaturgia, das grandes riquezas da peça, faz-se como uma costura que vai se despregando aos poucos do tecido causando o temor do fim que terá, e esse fim que se espera não chega nunca, constituindo a angústia da espera por ele como a base dramatúrgica. As intensidades dramáticas do estar diante da morte, assim como já escreveu Cruz e Sousa, são demostradas sinestésicamente por ações físicas sintonizadas numa energia constante que transfere para toda a sala de espetáculo um incômodo inevitável. É o incômodo da dor da perda, da constatação do quão inevitável ela é.
Notei que agora a peça faz ainda mais sentido a mim, como acontece diante do amadurecimento do homem em relação às coisas do mundo. Talvez porque a minha proximidade com a morte esteja maior, talvez porque ela tenha me cercado, talvez porque logo estarei longe da Thais, e terei dificuldades em ver suas peças. Talvez porque esteja próximo de me distanciar dos meus amigo todos, talvez... Ai que medo.

*Imagem: Espetáculo "Foi Tarde", by Camila Fontes

Se você sonha com nuvens


Não acredito que passei tanto tempo sem conhecer o Leonilson. Já havia reparado em uma ou outra coisa, mas foi meu professor, Danilo Vila, no ano passado, quem o apresentou de forma grandiosa para mim. Foi tão lindo ouvir o Danilo falando sobre as obra de Leonilson que até me lembro das análises. Lembro que vimos um vestido branco, e que observamos a poesia da barra dele. Eu acho que nunca esquecerei essa obra. Trata-se de um vestido de voile, costurado de modo quase geométrico, muito simplesmente, e com um barrado bordado dizendo o mesmo título da obra: O que você desejar, o que quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo. Meu Deus, isso é da Idade Média! Mas como negar que é das coisas mais lindas do mundo. Porque não é submissão. É entrega... e é tão lindo entregar-se a alguém.
Logo depois do curso do Prof. Danilo fui a São Paulo e encontrei o livro Leonilson: São tantas verdades. Vi num sebo, entrei por acaso, numa certa pressa, perto da Av. Paulista. E, de repente, olhando todas aqueles montes de picassos, davincis, vi o Leonilson. Fiquei mais comovido do que se tivesse comprado numa loja de livros novos. Fui pra casa lendo...apaixonei-me, mais. Depois, também comprei o livro de desenhos, que foram publicados na Folha de São paulo, num sebo de Londrina. Ele é incrível.
Na obra que estou mostrando acima, vemos o símbolo cristão, a dor da separação (a frase escrita na vertical diz: a distância entre duas cidades) e a leveza e a pureza do branco e do bordado: Se você sonha com nuvens. Inacreditável como um símbolo, tão comum entre nós e com uma referência tão forte, pode ser ressignificado, dentro da essência da dor e do sofrimento, e ser tão doce ao mesmo tempo. Agora, lembrando também daquela saia, penso no quanto sentido essas obras fazem para mim. Nos rios que se abrem diante de sua sutil forma de dizer: eu-te-amo-e-estou-disposto-a-ficar-ao-seu-lado-para-sempre-haja-o-que-houver-contrarie-quem-for-só-basta-você-querer.
* Imagem : Se você sonha com nuvens. Leonilson, 1991

Jogos Perigosos


Ah, o amor...tão indispensável e, no entanto, tão raro e duro que, as vezes, dá-me vontade de negar o bem que poderá fazer. É tão paradoxal viver entre a solidão e a comunhão, que, em certos momentos, parece que a angústia é inerente a mim, e não aos estados da alma. Tão doce amar, parecerá ao solitário... Tão suave é a solidão, parecerá ao conjugado.
Conjugar vidas, aliás, será mais difícil, por horas, do que verbos no subjuntivo.
Ainda bem que as angústias serão seguidas pelos prazeres... É verdade, não é?
Leonilson?, você está aí? Oh my good!?

A dor do coração exposto


Leonilson falou sobre ele, no entanto, isso tudo não é marcado pela vitimização do homem. Leonilson vai muito além da vítima de uma epidemia. Leonilson aborda o sublime da dor que o toma e volve seus sentidos para a simplicidade do dizer um pouco da verdade do que ele intimamente é. Sua obra é uma abertura despudorada de uma realidade subjetiva. Essa abertura fica bastante iconizada em “Voilà mon coeur”, que se constitui em uma base de feltro na qual são bordados diversos cristais. Os cristais não cumprem uma ordenação metódica, nem os bordados sequer demonstram uma representação ou analogia com a realidade. Notamos os sentidos pela sugestão maior de oferecimento do sujeito para o espectador da obra. A obra em si torna-se uma espécie de ligação do artista ao mundo, mostrando para aqueles que fruem o que ele tem de mais precioso: seu coração. Aqui meu coração (tradução no título da obra), oferecido para quem quiser ler. São as preciosidades da própria intimidade do artista que ele busca mostrar, promovendo uma relação de gigantesca proximidade e emoção na tríade autor-obra-espectador.

sherman´s destruction of the dream


Ao mesmo tempo a suavidade, por conta dos contrastes de cores, e o horror, pela sugestão de morte. Pode-se apontar uma relação intertextual direta com a história de Charles Perrault, A bela Adormecida, e daí surgir a discussão temática da ambigüidade, entre morte e sonho. Mas tal processo não segue, obviamente, os padrões sugeridos pela própria história. As marcas de terra pelo corpo junto da irrupção cutânea reforçam não só a idéia de cadáver, mas também a idéia de que o corpo foi arrastado e está se degradando.Será a Bela que adormeceu pra sempre? E será que não existem príncipes?

Dores em teias de Bourgeois

O tema da dor é meu negócio. Para dar significado e forma à frustração e ao mento. O que acontece com meu corpo deve receber um aspecto formal. Assim, você poderia dizer que a dor é o preço de resgate do formalismo.(...) Para mim, uma escultura é o corpo. Meu corpo é minha escultura (Bourgeois, apud Lagnado:1995, p. 69)
Louise Bourgeois é um artista nascida na França e erradicada nos Estados Unidos, que direcionou seu trabalho para as discussões acerca da sua própria história e identidade. Trabalhou com uma variedade enorme de materiais compondo esculturas e instalações que mostraram toda sua irreverência ao discutir conceitos de âmbito social como a questão da mulher, por exemplo. Ao longo de sua vida, Louise sofreu uma série de situações traumáticas incluindo a substituição da mãe por uma madrasta, que conduziu sua formação de modo arbitrário. Além disso, Louise trabalhou, seguindo os modelos da família, com a tecelagem, o que também marcou de modo bastante representativos sua obra. As aranhas na produção da artista podem ser entendidas como uma metáfora dela própria, num trabalho metafórico de extensão de sua própria história para a composição das mesmas. É a aranha que, assim como ela, deve tecer suas teias para mostrar o peso de sua identidade em busca de proteção. Além desses, outros trabalhos também carregam o peso de uma história dolorosa em busca de sentidos e de iconizações.
As dores de Louise também são nossas. Todo corpo dói, deforma-se e se reconstrói...